terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Pesquisa mostra que 64% dos policiais assumem não ter treinamento adequado para lidar com protestos



manifestações
Manifestantes fugindo de bombas de gás lacrimogêneo e vandalismo eram cenas finais de um enredo que se tornou conhecido no fim de muitos protestos, desde de junho do ano passado. Sete meses depois de a população tomar as ruas, uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) revela como as próprias forças de segurança se sentem despreparadas para agir diante dos grandes atos — que prometem se repetir durante a Copa do Mundo. Ao todo, 64% dos policiais militares e civis entrevistados admitiram não ter recebido orientação e treinamento adequado para lidar com as manifestações e os black blocs.
O despreparo revelado pelos praças e oficiais na condição do anonimato do levantamento explica outro percentual: o dos 69% que disseram que os agentes agiram como foi possível, devido às circunstâncias.
— Os policiais se sentiram tendo que improvisar diante de uma situação inesperada — afirmou o diretor da DAPP-FGV, Marco Aurélio Ruediger, responsável pela pesquisa.
Apenas 10% apontaram como correto o comportamento dos policiais nas manifestações, enquanto outros 19% responderam que “alguns colegas não agiram da forma certa, mas não se pode generalizar”. Na hora de atribuir a alguém a responsabilidade sobre a maneira como operam nas manifestações, os policiais não colocam na própria conta nem na do comando ou na das secretarias de segurança. A maioria (60%) indicou que a atuação da tropa é determinada pelos governos estaduais.
Um exemplo evidente desse despreparo ocorreu no dia 14 de junho, quando o fotógrafo Sergio Silva, de 31 anos, que cobria as manifestações em São Paulo, foi atingido por um tiro de bala de borracha, perdendo o olho esquerdo. O mesmo aconteceu à publicitária Renata da Paz, de 36 anos, depois de ser atingida por estilhaços de uma bomba de efeito moral durante protesto no dia 20 de julho no Rio de Janeiro.
Visão sobre atuação dos black blocs
Para Marco Aurélio Ruediger, a forma como as manifestações aconteceram é um fenômeno novo. Os policiais não possuem treinamento para agir diante delas e reconhecessem isso, o que deve ser visto com atenção pelo Estado, principalmente porque os grandes atos são um caminho sem volta e atrairão mais pessoas organizadas pela internet.
— Os policiais têm muita dificuldade de saber agir nessas situações, tanto pelo aspecto legal quanto pelo próprio treinamento deles, e isso gera transbordos de violência que afetam a todos, especialmente aos que estão lá pacificamente. Isso leva a estrutura do Estado a ter que fazer uma reflexão e um aprimoramento institucional rápido, porque não é uma coisa passageira. A sociedade civil está cada vez mais conectada a esses instrumentos digitais.
Por meio da pesquisa, é possível saber como os policiais veem os black blocs. Para 35% deles, trata-se de um grupo de baderneiros. Apenas 11% responderam que o grupo é de militantes políticos.
Os black blocs se definem não como uma organização, mas como uma tática empregada em protestos, com pessoas que se reúnem vestidas de preto e usando máscaras. Ao todo, 20% dos policiais disseram que os black blocs são uma tática de ação em manifestação. Em setembro do ano passado, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou projeto de lei que proíbe o uso de máscaras em protestos. Enquanto os black bloc dizem ter uma estrutura não hierárquica e descentralizada, os policiais não os enxergam dessa forma. Para 70% deles, esse grupo que protesta mascarado tem uma liderança organizada.
— É evidente que os policiais vão acreditar que o grupo possui um líder. Eles estão acostumados a lidar com organizações que possuem liderança — afirmou Rafael Alcadipani, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. — Black bloc é uma coisa nova. Ninguém sabia lidar, e a polícia foi aos poucos aprendendo. Manifestação é uma questão nova, que demanda vivência para ter uma boa inteligência — completa ele, que vê a percepção dos policiais sobre o tema como natural.
A pesquisa também questionou os 5.304 policiais sobre o que pensam a respeito das ações dos black blocs, e a maioria (78%) respondeu que o grupo não tem motivação clara, a não ser provocar a violência e o vandalismo gratuitos. Nessa questão, os profissionais podiam marcar até duas opções.
Em segundo lugar, apareceu que o objetivo dos mascarados era enfrentar e agredir os policiais (24%). Apenas 9% dos agentes afirmaram que os black blocs queriam defender os direitos dos cidadãos. Por terem uma concepção de que os black blocs têm um perfil que tende ao vandalismo, 70% dos policiais afirmaram que o grupo afasta o cidadão comum das manifestações. Quando julgam somente a ação dos black blocs e quem eles querem verdadeiramente atingir, 57% dos policiais afirmaram que o grupo não tem alvo definido.
A favor dos juizados móveis
Durante os protestos, a forma de tipificar eventuais crimes dos manifestantes foi alvo de polêmica. Em São Paulo, a polícia enquadrou um casal com base na Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar para garantir a ordem política e social. E, segundo 33% dos policiais, é nessa lei que os black blocs devem ser enquadrados. A maioria (60%) respondeu que o grupo deveria responder por dano qualificado e incitação à violência. Nessa questão, os profissionais podiam marcar quantas opções quisessem.
— Precisamos ter como parâmetro que 70% do que a polícia faz são desinteligência. É ajudar em questões cotidianas. Manifestação violenta é uma questão nova — declarou o especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Por conta do vandalismo nos atos, o governo federal e as secretarias de Segurança Pública do Rio e de São Paulo anunciaram a criação de juizados móveis para conter a violência em grandes manifestações. Quando questionados em relação ao tema, 75% dos policiais disseram aprovar a medida em caso de vandalismo ou de violência policial. A aprovação à criação dos juizados cai para 52% quando a pergunta é sobre o uso dele para a apuração da ação policial.

Fonte:  Bastidores do Poder

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