BRASÍLIA — O Senado vem pagando por passagens aéreas
para senadores e servidores em viagens internacionais preços que
equivalem a até cinco vezes os encontrados nos sites das próprias
empresas. Irritados com os valores exorbitantes, alguns senadores já
reclamaram providências da direção do Senado em discursos no plenário, e
outros se negam a aceitar os bilhetes apresentados por agências
contratadas pela Casa, comprando diretamente nas companhias aéreas.
Como integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia,
em outubro passado, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) participaria de
reunião com a Associação para Promoção da Excelência do Software
Brasileiro, em Miami. Segundo Pinheiro, os valores das passagens em
classe executiva encaminhadas pela agência Voetur Turismo e
Representações Ltda. — contratada pelo Senado em agosto de 2013 com
dispensa de licitação — variaram, desde as primeiras solicitações, de R$
14 mil a até R$ 20,8 mil.
Espantado
com os valores, mesmo com a multa de uma remarcação de data, ele
considerou o preço inaceitável. Pesquisou no site da companhia aérea, no
mesmo dia, e comprou com seu cartão de crédito uma passagem, em classe econômica, por R$ 4.272,78.
—
O setor responsável mandou ofício justificando o preço final em função
da remarcação do bilhete, o que não foi aceito — explicou Pinheiro, que,
a partir de então, optou por adquirir pessoalmente suas passagens,
pedindo posterior ressarcimento.
Conta bancária exclusiva
Para
minimizar o problema, Pinheiro obteve do presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), promessa de votar logo projeto de sua autoria que cria conta bancária exclusiva, com registro
próprio no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) por gabinete,
para melhor administrar e separar pessoa física da pessoa política, que
passaria a ter atuação jurídica.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) é outro que não se conforma com os preços cobrados e pagos
pelo Senado pelas passagens aéreas, classificados por ele como
“absurdos”. Ele disse que já fez pelo menos três discursos cobrando
providências. Lembra de uma viagem oficial que fez para o México, por
uma agência que antecedeu a Voetur:
— A passagem que o Senado me
forneceu, na classe executiva, custava R$ 17 mil. Minha mulher comprou
no site da empresa, na última hora, para ir sentada ao meu lado, e pagou
cerca de R$ 4 mil. Isso aqui é uma farra!
Em outubro de 2013, o
senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) também teve um contratempo com
a Voetur, em viagem para visitar obras da Copa em Natal, com o roteiro
Brasília-Natal-Aracaju. Como teve de remarcar o trecho Natal-Aracaju, o
bilhete original emitido pela Voetur foi de R$ 1.167,43 para R$
3.240.56:
— A agência respondeu que não ia baixar o preço! Paguei do meu bolso o mais barato, pedi ressarcimento, e depois mandei ofício ao Renan reclamando.
Agência recebeu R$ 1,5 milhão por contrato sem licitação
Escolhida
em agosto de 2013 em um processo de contratação emergencial, sem
licitação, por 180 dias, a Voetur Turismo e Representações recebeu do
Senado R$ 1.575.137. Pelo contrato, deveria fornecer mil passagens
nacionais, 130 passagens internacionais e 130 seguros. O departamento
jurídico da agência informou que ela foi selecionada por apresentar o
menor preço, R$ 19,95, a título de taxa de agenciamento de viagem, sendo
esta a sua única e exclusiva remuneração. O contrato, que se encerra no
próximo dia 14 de fevereiro, não será renovado, porque há uma licitação
em curso.
Segundo a assessoria da agência, a Voetur nunca apresenta o maior preço, já que o contrato exige cotação simultânea de três companhias aéreas
para o trecho consultado, indicando a de menor preço. E seria assim que
a agência procederia. Mas diz que tais valores podem sofrer alterações,
com aumentos ou reduções significativos, a depender do momento da
contratação. Diz ainda que os valores são fiscalizados e aprovados pela
Coordenação de Apoio Parlamentar (Coapar) do Senado.
Empresa contesta senador
A
direção da Voetur contestou as informações prestadas pelo senador
Antonio Carlos Valadares, que constam de ofício encaminhado ao
presidente do Senado, Renan Calheiros. Em nota, a assessoria jurídica da
empresa diz que “não é verdadeira a informação de que a Voetur se
recusou a emitir o referido bilhete”.
“No que tange ao senador
Antonio Carlos Valadares, cumpre esclarecer que de fato havia sido
emitido um bilhete no valor de R$ 1.100. Porém, o senador, na última
hora, decidiu alterar o horário do voo e, para o horário que ele
desejava, já não havia nenhuma tarifa no valor de R$ 1.100. E tal fato
foi comprovado através do print da tela da companhia aérea encaminhada
ao gabinete. Ocorre que o senador entrou em contato direto com o diretor
da companhia aérea Azul, senhor Martins, e conseguiu, a título de
cortesia, uma tarifa no valor de R$ 1.700”, diz a nota da empresa.
Já
no caso do senador Walter Pinheiro, a Voetur diz que a solicitação
encaminhada pelo gabinete foi para emissão de bilhete na classe
executiva. E que a coordenação do Senado encarregada avalizou os preços
apresentados. “A Voetur apresentou à Coapar três cotações, e ela nos
encaminhou a autorização para a emissão do bilhete no valor de R$
20.719,81. Contudo, o senador, sem fazer nenhum contato com a Coapar e
nem com a Voetur, decidiu não utilizar o referido bilhete e por conta
própria emitiu outro bilhete na classe econômica, que ele alega ter custado o valor de R$ 4.000”.
A
direção da Voetur também sustenta que os preços aumentam porque, na
maioria das vezes, as solicitações de passagens são requeridas sem
nenhuma antecedência, o que gera custo maior. “Aproveitamos para fazer
um apelo ao Senado Federal para que atue no combate às práticas
inidôneas de algumas agências de turismo, que estão ofertando ao governo
taxa de agenciamento zero, de forma a induzir a erro com a falsa
impressão de que a aplicação da taxa zero gera um benefício financeiro,
quando, na verdade, ocorre o que o TCU constatou (em acórdão), que as
agências ‘podem estar valendo-se de práticas suspeitas durante a
execução contratual para cobrirem os valores ofertados na licitação’”,
diz a nota da Voetur.
A Mesa Diretora do Senado foi procurada, mas não respondeu até a noite de sexta-feira.
Fonte: O Globo País
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